Guarde isso: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo. C.F.A

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Aliás, era 7 de setembro.

Naquele dia cometi um crime gravíssimo, e fi-lo de maneira consciente, falei "cá" comigo:
- No meio de tanta gente, quem há de se importar?
Ledo engano, cara consciência, sempre existe um anjo redentor que vai te apontar com o dedo e dizer:
- Oh! Vejam só que crime abominável, você esqueceu de por a vírgula.
Ainda bem que ele, o anjo, vestido de "ela", a garota, não percebeu que também faltava, naquela frase do cartaz, uma crase gritando por prestígio.
Admito, em momento algum a falta da vírgula me chamou a atenção; esqueci totalmente desse importantíssimo detalhe, mas da crase eu lembrei, e quando me voluntariei a corrigir alguma força maior me fez subestimar o grau de letramento e atenção de todos os presentes, então deixei para lá, uma crase apenas, quem se importa?
Eis que o crime é registrado, por essa eu não esperava. Bem longe dos cartazes e da multidão, uma fotografia me entrega totalmente, alguém tão crítico em relação às normas cultas da língua quanto eu, vê a imagem daquela aberração da natureza em forma de cartolina e tinta azul.
- Faltou uma vírgula aqui - diz em tom de correção - depois de dorgas.

Ainda bem que "ela" não notou que também faltava uma crase.

Isso me roía por dentro, mais cedo ou mais tarde alguém veria aquela foto e seria meu fim, um erro apenas não é algo condenável, mas dois, e na mesma frase, é questão de honra.
- Por que, meu Deus, por que fiz isso? Logo eu que não deixo um deslize gramatical alheio passar em branco, caindo nessa armadilha de "ninguém está olhando, vou deixar assim mesmo".

Ainda bem que "ela" não notou que também faltava uma crase.

Chego em casa, cabisbaixo, um criminoso à solta, um impuro, aquele que esqueceu a vírgula (e também a crase, mas "ela" não percebeu), ponho um filme para rodar, vou aos poucos recordando todas as vezes que debati comigo mesmo sobre aquele gerundista, amórfico, errante do idioma, nunca o corrigi verbalmente, sempre por pensamento, eu e minha amiga consciência maldita conversávamos sobre a mais nova decadência humilhante da falta de sintonia entre homem e língua portuguesa, e agora aqui estou eu, preso nesta teia, com a enorme aranha (ela) se aproximando e balbuciando
- A víííír-gu-laaa, cadê a vííír-gu-laaa?
Acordo assustado, era apenas um sonho, ufa. Vou ao escritório, ligo o computador, enxugo o suor e entro no orkut, vejo nas atualizações a tal foto do tal cartaz, NÃO AS DORGAS MANOLO, ainda sem vírgula, logo abaixo o comentário "dela":
- Ah... você também esqueceu da crase.
Pronto, é o fim. Tragam aqui a minha cadeira elétrica, pode deixar que eu mesmo ligo na tomada.

Notas de rodapé
1- Frase correta: Não às dorgas, manolo!!!
2- Dorgas: drogas para cães.