Guarde isso: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo. C.F.A

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Intertextual

Acordaria cedo por muitos dias corridos, e correria, de início para evitar o atraso, depois para observar as ruas e seus ocupantes em menos tempo, por fim de sí mesmo. Acabou deixando de perceber os presentes que recebera nas esquinas, onde alguém sempre o esperava na expectativa de ser visto, sua pressa impedia seus olhos de verem quem o observava - com olhar brilhante e de contemplação. A solidão para ele era como uma aliança matrimonial: conturbada, solícita, única. Sua sensatez serviria de venda para os olhos, a inconstância seria um arco e flecha (envenenada), as incertezas, doces para crianças bobas. Poetizaria. Escreveria semanalmente mais uma página do seu diário, julgaria o que era necessário ou desnecessário como Deus julga quem é digno. Com frieza ouviria declarações de afeto e nada diria a não ser: acontece. Precisava de carinho e dizia sem preconceito, assumia a carência e a importância do tempo. Divertia meio mundo com seu carisma, que só existia onde houvesse mais de duas pessoas. Em seu quarto, era apenas mais um surrado por dentro, lutando por liberdade. Amava personagens do seu próprio espaço cênico e não admitia interferências nos atos. Pierrot. Com autoridade de monarca, definia pontos finais, era contestado com outros pontos, agora continuativos, e nessa briga de direito à pontos, longas reticências seriam abertas, e a história nunca morreria. Não recebia mais o mensageiro por ter destruído sua caixa de correspondência. E passaria dias assim: desejado, amado (embora não acreditasse), sozinho, sem cartas, sem presentes, fugaz.

Ele gostava tanto dessas palavras começadas por in – invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. "Caio F. Abreu"