Guarde isso: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo. C.F.A

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A falta, a sobra e a chuva.

É um tanto estranho às vezes, não compreendo porque existe a falta daquilo que nunca se teve, saudade da criança que não nascera por interrupção do destino, posses intocadas e imaginárias que se perdem e causam prejuízos, ainda que nenhuma cédula de valor tenha sido gasta. Uma vida presa ao abstrato, algo que poderia ser e acabou não sendo. Saudade da roda-gigante em que poderiamos ter brincado, do filme que poderiamos ter visto, daquilo que ficou no "quase". Me flagro olhando para o telefone, como se esperasse tocar, e de súbito lembro que não acontecerá, é a força do hábito, alimentado umas poucas vezes e que poderia durar toda a vida se dependesse de mim. Quando não escuto mais as vozes, sobra o eco, por dentro, de uma música cantada, ou de algumas frases ditas e memoradas, ficaram as canções e nada mais ficou. Sobrou um no quarto, o que não correu quando disseram que o último seria a mulher do padre, e muita coisa também sobrou, a falta por exemplo, tem de sobra. Leio um trecho interessante em alguma lugar por aí

"Há tempos em nossa vida que contam de forma diferente.
Há semanas que duraram anos, como há anos que não contaram um dia.
Há paixões que foram eternas, como há amigos que passaram rápido, apesar do calendário mostrar que eles ficaram por anos em nossas agendas.
Há amores não realizados e beijos não dados que até hoje esperam o desfecho..."

Sou obrigado a discordar do final, pois se teve algo que sobrou, foi a certeza de que o desfecho é certo e imultável. Desfecho do que nunca iniciou por pura falta de coragem, ou de oportunidade, ou de certezas; a falta de uma chuva que não caiu mais, uma chuva estranha que me enxarcou na volta pra casa, depois daquele primeiro dia em que um mais um foi igual dois, em meio às ruas cheias de lama, sentados em bancos, na chuva, mas sem se molhar, imperveáveis não, protegidos, por tetos e janelas móveis, um trêm ou um ônibus, uma nave espacial, sei lá, algo que nos faz viajar, eu viajei em duplo sentido, para algum lugar onde sobra e falta tudo, desproporcionalmente, mais falta do que sobra, e o que sobra é apenas a falta, sobra eu sozinho também, mas só um pouco, e que ninguém saiba disso.

"Guarde esse recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo."