Guarde isso: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo. C.F.A

domingo, 31 de outubro de 2010

O primeiro dia

As eleições 2010 foram palco de constantes e incansáveis discursos de defesa e acusação entre candidatos. Polêmicas foram abertas, assuntos relevantes entraram, momentaneamente, em cena servindo com o único intuito de persuadir diretamente o eleitor.

Embora eu tenha declarado minha imparcialidade, fiz o que mais da metade do país também fez, votei em quem agora se diz presidente da República Federativa do Brasil. Sem nenhum argumento concreto que justifique minha decisão, apenas acreditei que seria o menos pior. Agora começo a contestar a qualidade da nossa democracia, de que adianta ter o poder de decisão quando não temos boas opções? Longe de julgamentos à candidatos A ou B, faço minhas as palavras da Rita Lee: no final tudo vira bosta.

Podemos ter orgulho da quebra da constância do poderio machista no mais alto cargo executivo, é um longo passo para a história do Brasil, um advento político; ainda assim sabemos que mudanças grandiosas não irão ocorrer, só mudamos o sexo do sistema, e nada mais. Presenciei amigos próximos em pé de guerra, defendendo seus candidatos como uma mãe defende um filho, e em momento nenhum proferi qualquer palavra de cunho opinativo, pelo simples fato de não saber o que dizer. Cheguei a considerar-me um cidadão sem valores políticos, falando "tanto faz" sempre que me perguntavam algo do gênero.

Talvez eu tenha desacreditado da democracia, bastante falha na prática, mas cheia de significados na teoria. A mais utópica das ideias, é a do poder do povo. Somos limitados a escolher o que tem pra hoje, como em um restaurante tabelado, e vamos comer dessa comida por quatro longos anos, isso não é poder de decisão, é imposição implícita. É absurdamente triste saber que no quinto maior país do mundo, não exista alguém ético o suficiente para assumir um governo. Não tive o desprazer de arrepender-me do meu voto, o dei hoje, a única coisa que posso declarar, diante de tudo o que tem acontecido, é: E seja o que Deus quiser.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Antes da chuva, a chuva

Brasilia - DF, novembro de 2008. Um dia nublado, uma chuva, um ônibus, e eu a observar por seu parabrisas o movimento das ruas. Como se o mundo de fora fosse um outro. A cena se repete, não em Dejavù, era real, com dois pares de tênis, azul e preto. E como o tempo nem sempre segue linear, agora só os pretos de novo; a volta à 2008, um dos bancos vazios, e aquela música tocando, dizendo que estranho seria se...

Uma carta

Trecho de "O Primo Basílio".

...tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente, era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréssimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pessoas e pessoas.

"Somos aquilo que temos", afirmam os vilões de novela idólatros das coisas materiais. Eu particularmente odiaria ser um peso de papel em formato de globo terrestre de cristal, mas convém concordar em partes com a frase, levando, óbvio, para um lado nobre e sentimental (que meigo).

Sim, caros mortais, eu sou o que tenho. E, por ventura da minha eficácia nas escolhas, sou apenas uma coisa que tenho: Amizade.

Você acorda como quem não quer nada, para viver mais um dia, achando que tudo que poderia acontecer já aconteceu e etc, etc, etc. Até que alguém surge, como um figurante daqueles filmes de desastres naturais, gritando e correndo ao seu lado tentando subir na colina antes que a onda gigante, consequência de um super-meteoro que caiu no oceano, o mate. Coisas tão frequentes como a citada, são suficientes para uma bela amizade surgir, não porque você simpatizou com o fulano assim, de cara, e sim porque ambos estavam em uma situação similar.

Foi em um ambiente bem singular e seleto que conheci ela, especificamente falando, na Olimpíada de Português de 2008 (clique no "ela" por favor).

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Rapidinhas #7

Definiram então o vermelho como a cor da paixão.
Depois disso os dautônicos vivem eternamente confusos, veem paixão onde não há, veem paixão nas árvores, paixão quando o semáforo abre.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Intertextual

Acordaria cedo por muitos dias corridos, e correria, de início para evitar o atraso, depois para observar as ruas e seus ocupantes em menos tempo, por fim de sí mesmo. Acabou deixando de perceber os presentes que recebera nas esquinas, onde alguém sempre o esperava na expectativa de ser visto, sua pressa impedia seus olhos de verem quem o observava - com olhar brilhante e de contemplação. A solidão para ele era como uma aliança matrimonial: conturbada, solícita, única. Sua sensatez serviria de venda para os olhos, a inconstância seria um arco e flecha (envenenada), as incertezas, doces para crianças bobas. Poetizaria. Escreveria semanalmente mais uma página do seu diário, julgaria o que era necessário ou desnecessário como Deus julga quem é digno. Com frieza ouviria declarações de afeto e nada diria a não ser: acontece. Precisava de carinho e dizia sem preconceito, assumia a carência e a importância do tempo. Divertia meio mundo com seu carisma, que só existia onde houvesse mais de duas pessoas. Em seu quarto, era apenas mais um surrado por dentro, lutando por liberdade. Amava personagens do seu próprio espaço cênico e não admitia interferências nos atos. Pierrot. Com autoridade de monarca, definia pontos finais, era contestado com outros pontos, agora continuativos, e nessa briga de direito à pontos, longas reticências seriam abertas, e a história nunca morreria. Não recebia mais o mensageiro por ter destruído sua caixa de correspondência. E passaria dias assim: desejado, amado (embora não acreditasse), sozinho, sem cartas, sem presentes, fugaz.

Ele gostava tanto dessas palavras começadas por in – invisível, inviolável, incompreensível -, que querem dizer o contrário do que deveriam. Ele próprio era inteiro o oposto do que deveria ser. "Caio F. Abreu"


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A falta, a sobra e a chuva.

É um tanto estranho às vezes, não compreendo porque existe a falta daquilo que nunca se teve, saudade da criança que não nascera por interrupção do destino, posses intocadas e imaginárias que se perdem e causam prejuízos, ainda que nenhuma cédula de valor tenha sido gasta. Uma vida presa ao abstrato, algo que poderia ser e acabou não sendo. Saudade da roda-gigante em que poderiamos ter brincado, do filme que poderiamos ter visto, daquilo que ficou no "quase". Me flagro olhando para o telefone, como se esperasse tocar, e de súbito lembro que não acontecerá, é a força do hábito, alimentado umas poucas vezes e que poderia durar toda a vida se dependesse de mim. Quando não escuto mais as vozes, sobra o eco, por dentro, de uma música cantada, ou de algumas frases ditas e memoradas, ficaram as canções e nada mais ficou. Sobrou um no quarto, o que não correu quando disseram que o último seria a mulher do padre, e muita coisa também sobrou, a falta por exemplo, tem de sobra. Leio um trecho interessante em alguma lugar por aí

"Há tempos em nossa vida que contam de forma diferente.
Há semanas que duraram anos, como há anos que não contaram um dia.
Há paixões que foram eternas, como há amigos que passaram rápido, apesar do calendário mostrar que eles ficaram por anos em nossas agendas.
Há amores não realizados e beijos não dados que até hoje esperam o desfecho..."

Sou obrigado a discordar do final, pois se teve algo que sobrou, foi a certeza de que o desfecho é certo e imultável. Desfecho do que nunca iniciou por pura falta de coragem, ou de oportunidade, ou de certezas; a falta de uma chuva que não caiu mais, uma chuva estranha que me enxarcou na volta pra casa, depois daquele primeiro dia em que um mais um foi igual dois, em meio às ruas cheias de lama, sentados em bancos, na chuva, mas sem se molhar, imperveáveis não, protegidos, por tetos e janelas móveis, um trêm ou um ônibus, uma nave espacial, sei lá, algo que nos faz viajar, eu viajei em duplo sentido, para algum lugar onde sobra e falta tudo, desproporcionalmente, mais falta do que sobra, e o que sobra é apenas a falta, sobra eu sozinho também, mas só um pouco, e que ninguém saiba disso.

"Guarde esse recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo."

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Ouço barulhos

Não consigo mais dormir. O barulho ecoa naquele quarto, meio abafados, o quarto e o barulho
Tum-tum
Tum-tum
Onomatopeico
Tum-tum
barulho opaco,
na região torácica,
um pouco pra esquerda
sinto o barulho,
a anatomia especifica como parte fundamental do sistema circulatório: Coração.
A bomba do corpo
A bomba sinestésica do corpo
Pois é sooa: Pois Zé
fonética chata, perseguidora
nome comum, de todo mundo
todo José tem que ser Zé um dia
pois é, eu acharia melhor me chamar Mário.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Cheguei a uma conclusão

Em um dos meus textos relatei minhas vontades, uma delas foi poder definir com exatidão uma música preferida. Pois bem, esse é um processo quase impossível quando se conhece uma imensidão de músicas, uma mais bonita que a outra, mas cheguei a uma conclusão que há tempos já havia sido tomada, eu apenas não tinha parado para perceber. Minha música preferida é Paciência, do Lenine. (Agora só faltam outras dezenas de coisas a se cumprir)

Texto referido: Eu tenho meus desejos e planos secretos ♫♪

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sem título

Súditos temem reis, não por serem maus, mas por se mostrarem invulneráveis. Ter medo dos fortes é considerar-se fraco, ou um forte com baixa estatura, e talvez um forte descalço na areia quente do sol do meio-dia, o que não equivale a muito, ou consideralvemente nada. Reflexões à parte, sempre tive medo da minha incomensurável arte de não sentir, de dormir na Antártida de camisa regata e short sem temer frio algum, comparar-me ao chão branco de neve, não na minha brancura exagerada, mas na minha frieza sem sentido. Cheguei a julgar-me egoísta, altivo e mesquinho. Cansado das ladainhas do permita-se, pense menos, viva mais, faça, aceite, escute, veja. Um pouco mais cansado ainda, de ter medo do rei na minha barriga, invulnerável, introspecto, embora amigável com o mundo, feio.
Aceito.
Aceito a ideia de me por em off, paro de pensar, permito-me, com ou sem medo dou passos em direção ao escuro, sigo mais forte e decidido do que nunca, escuto gargalhadas, músicas, cheiro de pipoca, explosões, palhaços, aglomerações, me distraio, até que minha visão se adapta ao ambiente, tarde diga-se de passagem, bato de frente com o muro, não sei se quebrei algo, talvez sim, a cara.
Mudo.
Não de calado, mas de mudado. Como se a mão do mágico sobrevoasse a cartola, e Ohhh! Tenho medo agora de ter me permitido, medo da vulnerabilidade, de não proteger-me ainda com um escudo na mão, medo do medo.
E depois.
Depois da pedra atirada, da palavra proferia, da ocasião perdida e do tempo passado, volto a ser rei aos poucos, como se eu sozinho fosse dizimando o exército inimigo e sentindo o gosto da vitória, vou vendo em cada corpo perfurado por minha lança o resumo do caminho para o trono, o épico renasce, ao fim da batalha a invulnerabilidade estará reestabelecida. Para não perder o gosto da contradição sentirei medo de novo, medo do rei quando eu me considerar súdito, medo do súdito quando eu me ver como rei, medo de mim nas duas faces, o que sente, e o que não sente. Se todo o mal traz o bem na mão, todo o medo traz a coragem em algum lugar, e aí sim terei coragem, me permitirei com coragem, pensarei com coragem, e se acaso sentir, a coragem não me deixará tropeçar, muito menos bater de frente com muros ou montanhas. E até a coragem não surgir, me igualo a neve, se possível até na brancura, assim serei impercepítivel aos olhos de quem quer que seja.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Rapidinhas #6

Sr. Jones era o único homem normal daquele mundo fantástico.
Porém, se todo o mundo era fantástico e apenas ele normal, isso o categorizava como o homem mais fantástico daquele mundo.

sábado, 2 de outubro de 2010

Leio e conto história

Com meus livros é assim, tem dias que eu os leio e tem dias que eu conto a história para mim.

Nos dias que eu conto, quando bem me dou conta, já estou na página cento e tarárá, nem percebo que o tempo se esvaiu em minutos.

Nos dias que leio, e apenas leio, também escuto os ruídos da rua, me encho, e tudo demora demora.

Nos dias que eu conto percebo vez em sempre as diferentes entonações da minha voz sussurrando, sei que sussurro abafado é o narrador, sussuro agudo é alguma personagem, e tem o sussurro agudo diferencial, que é para outro personagem - não sei denominar diferente se não "agudo diferencial", o que importa é saber seu significado, e só.

Nos dias que leio, preciso voltar a página e ler de novo, é chato chato. Falta saliva, dá sede, levanto e tomo água, lá se vai mais tempo e menos história.

E quando conto, não sou eu quem conta, embora conte, pois se fosse, eu cansaria, mas não canso. Na verdade pode sim ser eu. Mas como pode, se tanto parece que estou sentado ouvindo contarem? Eu conto e não conto, fácil fácil.

Meus livros são guardados em filas, com listras: li, contei, li, contei, li, contei. Depois volto para contar os que li e ler os que contei. Eles são meus, são meus. E não adianta um contado querer ser um lido, e vice-versa, o que não é não pode ser, e eu sei bem o que cada um é, são todos meus.